terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Natal Capital



Dezembro chegou, arrastando com ele um monte de deslumbradas criancinhas famintas por presentes e o seu maravilhoso espírito capitalino...perdão, natalino.

É o nascimento de Jesus? Não, é um frenezi de vendedores e consumidores, onde a pregação de amor ao próximo é abafada pelas propagandas que tentam nos convencer 'quem não tem, não é', destruindo sonhos, plantando sementes de inveja e ambição nos coraçõezinhos amargurados dos que querem ser mas não podem ter.

Viva o marketing, criador de monstros!

(por Zé Mingau)

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O preço real


Durante uma aula na faculdade, mesmo sem ter muito a ver com a matéria, alguns alunos comentavam sobre os preços dos combustíveis. Alguém disse que o álcool está barato e o professor interveio.
Nos lembrou da cruel realidade dos trabalhadores da indústria da cana-de-açúcar, que nós conhecemos bem, e ainda assim nos esquecemos constantemente. Nós e nossos representantes. Falou das estatísticas de doenças, acidentes e mortes entre os adultos e crianças, escravos nos regaços, e depois de apresentar todos esses dados e fatos dignos da nossa vergonha ele gritou, indignado: “AINDA ACHA O ÁLCOOL BARATO?”
Na verdade é caríssimo, mas não somos nós que pagamos o preço real.
De repente me deu um estalo e me lembrei que Ferreira Goulart já havia exortado em relação a isso. Não referente ao álcool, mas a indústria da cana-de-açúcar:



O AÇÚCAR (Ferreira Goulart)

O branco açúcar que adoçará meu café
Nesta manhã de Ipanema
Não foi produzido por mim
Nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
E afável ao paladar
Como beijo de moça, água
Na pele, flor
Que se dissolve na boca. Mas este açúcar
Não foi feito por mim.

Este açúcar veio
Da mercearia da esquina e
Tampouco o fez o Oliveira,
Dono da mercearia.
Este açúcar veio
De uma usina de açúcar em Pernambuco
Ou no Estado do Rio
E tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
E veio dos canaviais extensos
Que não nascem por acaso
No regaço do vale.

Em lugares distantes,
Onde não há hospital,
Nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome
Aos 27 anos
Plantaram e colheram a cana
Que viraria açúcar.
Em usinas escuras, homens de vida amarga
E dura
Produziram este açúcar
Branco e puro
Com que adoço meu café esta manhã
Em Ipanema.



(por Zé Mingau)

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Amor à Causa




Sou um grande defensor das causas feministas.

Luto pela igualdade incessantemente e só descansarei quando homens puderem cuidar da casa e das crianças, e suas mulheres, proletárias, os puderem sustentar, sem serem ambos mal vistos por essa sociedade hipócrita e machista.

Certo dia estava sentado num ônibus e uma mulher se posicionou de pé ao meu lado, por falta de acentos disponíveis.
Me olhou por algum tempo e depois, num tom de brincadeira, mas jogando um verde, pediu, “Seja cavalheiro. Me ofereça seu lugar.”
Eu, sem rir ou esboçar reação, respondi secamente “Não!”, e abaixei minha cabeça.

Me senti como o Peter Parker, que temendo pela proteção da Mary Jane, por amor, lhe deu um toco em 'Homem Aranha', ou como aqueles garotos que, com grande pesar no coração, gritam com sua amiga cheeta pra que ela volte para seu habitat natural e viva como vivem as cheetas, num filme da Sessão da Tarde.

Me doeu bastante, mas eu o fiz. Por amor à causa.
Uma lágrima me correu no canto do olho enquanto eu pensava comigo: “Espero que um dia você compreenda, amiga. Espero que compreenda...”


(por Zé Mingau)

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Lições



Ele correu...

Como um louco. Das dunas ao forte.

Queria provar pra si mesmo que não era só um sedentário suburbano.

Queria provar que dominava outros territórios alem do escritório.

Ele sabia que isso não era verdade, mas se provasse viraria verdade.

Chegou ao forte, ofegante, o coração na boca, correu pela lateral e começou a escalar as pedras, agindo e grunhindo feito um selvagem.

Um pequeno escorregão não seria nada, não fossem as frieiras que lhe surgiram devido ao tempo que passava de sapato em dias de trabalho. Uma pequena e pontiaguda pedra lhe arranhou entre os dedos, e a dor foi tão aguda que soltou uma das mãos.

Curvou-se pra trás e caiu entre as pedras. Uma delas lhe feriu a nuca.

Agonizou por pouco tempo e seus olhos se fecharam definitivamente.

O que foi um alívio, pois a maré subia.

Se não fossem as frieiras ele teria alcançado o topo.

Estaria vivo. Muito mais do que sempre esteve.

Voltaria tão confiante que certamente conseguiria uma promoção.

Se eu fosse você, esfregaria bem esse pé...


O garoto assustado, com os olhos esbugalhados assentiu com a cabeça sem dizer uma palavra enquanto entrava no banheiro.



(por Zé Mingau)

sábado, 16 de maio de 2009

Incapacidade



Fui atravessar a rua e quase fui atropelado por um motorista retardado que não ligou a seta antes de virar a esquina.
Ele parou pouco a frente do ponto onde quase me atropelou.
Eu parei também e olhei pra ele, ainda com um pouco de esperança de ouvir um pedido de desculpa. Ele gritou um palavrão e me chamou de viado.
Não conseguiria mensurar o ódio que senti naquele momento.
Primeiro pelo incidente que poderia ter um final pior, depois pela minha incapacidade de fazer qualquer coisa.
Na hora, várias possibilidades me passaram pela cabeça: podia ter ido lá, e espancado o cara, mas não me garanto o suficiente, então reprovei. Podia ter xingado de volta, mas apenas isso não ia me fazer sentir melhor. Reprovei também. Podia tê-lo processado por me chamar de viado, mas não ia dar em nada. Porque sou hétero. Só viados tem o direito de processar por serem chamados de viados, o que não faz o mínimo sentido pra mim. Eu só posso processar se alguém me chamar de hétero? As possibilidades de alguém quase me atropelar e gritar “SEU MACHO!” são nulas. Isso reprova também a idéia do processo.
Tive raiva de mim também.
Cheguei ao ponto de pensar “Devia ter ficado na frente do carro.
Faria um estrago no capô e ainda sujaria o pára-brisa todo de sangue. Hahá!”


(por Zé Mingau)

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Método do sapato



Eu minto pra mim mesmo.

Finjo que tudo é diferente, que é tudo melhor.

E tenho pena dos que são obrigados a simplesmente aceitar essa merda de realidade.

Vivo uma realidade diferente. A minha realidade. Meu mundo.

Não é como se vivesse uma mentira. É mais como uma realidade alternativa.


Também posso fingir que está tudo pior.

Assim de repente volto pra vida real, e ela parece boa se comparada a minha realidade.

Tipo quando deixava a minha horrenda e falhada barba crescer bastante só pra me sentir mais bonito após raspar.


Eu chamo isso de Método do Sapato. E explico:

Minha vida era um saco.

Tudo repetitivo. Odiava aquilo, mas não havia solução.

Eu precisava daquela merda de emprego. Eu precisava daquele cotidiano.

Então comprei um par de sapatos. Bem apertados. E o usava todo dia.

Depois de um dia inteiro aturando os desaforos do meu ofício, e a dor absurda do sapato, chegava em casa e me descalçava.

O mundo, nesse momento, parecia lindo.

Então dormia como um bebê, e tinha lindos sonhos.


Hoje não uso mais sapatos apertados.

Apenas minto pra mim.

E tomo Gardenal.


(por Zé Mingau)

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Mais feliz que os poetas


“Sozinho?”. Todo mundo perguntou isso. Sim, sozinho, oras! Qual o problema? O que tem de estranho nisso?
Como assim “o que você vai fazer na praia sozinho”? O que se faz numa praia, droga?
Ta bom, eu sei. Eu não gosto de praia, admito.
Mas fui pra lá andar. Caminhar ao lado do mar.

Num tem nada a ver com coisa de corno ou fossa!
É quase como um poeta, sabe?
Como o Carlos Drummond de Andrade, em Copacabana, ou Edgar Allan Poe num cemitério, sei lá.
Acho que a única diferença entre eu e os poetas é que eu não sei fazer poesia. Detalhe que eu ignoro.
Na verdade não é que eu não saiba fazer poesias.
É que eu ando por lugares belos, os contemplo, e é uma sensação perfeita.
Então eu canalizo todo esse bem estar e guardo só pra mim, diferente dos tolos poetas que o dividem com os outros, em suas poesias.
Acho então que posso dizer que sou mais feliz que os poetas.


(Por Zé Mingau)